quinta-feira, março 8

Clarissa Corrêa

As pessoas têm defeitos, manias, neuroses, frustrações, medos, confusões. Cada um tem suas particularidades. Mas isso a gente só descobre com o tempo e a convivência. Num primeiro momento, você sai com ele e se policia. Veja se você se encontra em uma cena dessas: vocês estão se conhecendo, marcam de sair. Começa aquela longa jornada: banho, perfume, checar se a sobrancelha está em dia, passar perfume, creme, usar calcinha bonita (mesmo que não vá tirar), depilar a perna (mesmo que ele não veja), depilar axila (mesmo que ele nem encoste), depilar a virilha (mesmo que ele passe longe), secar o cabelo, passar corretivo pra disfarçar aquela olheira que teima em dar as caras na sua cara, passar um pó para uniformizar a pele e disfarçar defeitinhos, um pouquinho de blush pra ele pensar que você vende saúde, rímel pra levantar o olhar e, então, começa a busca pela roupa perfeita. Tudo fica estranho, você tira as roupas do armário, pensa que não tem roupa, invoca a Nossa Senhora Dos Looks Decentes e finalmente encontra algo que ficou mais ou menos bem em você. Depois, checa o bafo. Mesmo após escovar os dentes, coloca uma bala na boca e tenta relaxar. Ele te pega em casa, vocês vão a um restaurante, ele pergunta o-que-você-quer-comer e você pensa meu-deus-não-posso-comer-muito-senão-ele-vai-me-achar-uma-comedora-compulsiva. Então, diz pra ele escolher e sorri tentando mandar pra casa a tensão instalada na sua nuca. O prato chega e você agradece por ele não ter pedido macarrão ao sugo, afinal, isso podia sujar sua blusa. Você mastiga bem devagarinho, toda meiga, toda mulherzinha, toda tô-saindo-com-ele-faz-pouco-então-não-posso-ser-ogra. Você, inevitavelmente, já deve ter passado por isso. No começo, a gente quer mostrar o melhor. A gente não se permite relaxar, tampouco respirar com naturalidade. O tempo passa. Vocês engatam um relacionamento. Aos poucos, ele vê que você enfia o dedo no dente de trás pra tirar aquela alface que colou lá e não quer mais sair. Devagar, ele te vê sem maquiagem, com cabelo de louca, com baba seca no canto da boca, com a unha descascada, sem máscara e sem glamour. O dia a dia faz com que a gente veja os avessos do outro. E os avessos estão cheios de nojeira. O amor é belo, sim, mas é cheio de pequenas nojeiras. E a gente precisa administrar isso. Um relacionamento deve ser construído com verdade. A verdade, nua e sem retoques, nem sempre é bonita. Tem o lado ruim, tem a briga, tem a discussão, tem aqueles dias em que parece que vocês estão completamente fora de sintonia. Tem vezes, inclusive, que a gente se pergunta o-que-tô-fazendo-com-essa-anta? Tem tudo isso. Tem a raiva, tem a irritação, tem tudo. A verdade é que existe um lado feio do amor. Acho que a traição, tanto masculina quanto feminina, ocorre quando a gente não engole o lado feio. É lógico que existem muitas pessoas bonitas no mundo. Você pode achar seu instrutor da academia um gato. Ele pode achar a secretária mega gostosa. Mas uma coisa é achar, outra é cobiçar, flertar, fazer graça. Tem gente bonita no mundo, sim. Mas o importante é você achar que o outro é mais bonito pra você. Mesmo que tenha dias feios. Relações são complicadas. Tem dias que dá vontade de gritar bem alto “meeeeeeeeeeeeeeeeerda”. Mas sempre achei que o que mais importa é o sentimento, mesmo que existam outras coisas. Essas coisas a gente ajeita, conversa, organiza, negocia. Basta querer e aceitar que príncipes e princesas existem fora da porta da sua casa. Do lado de dentro tem gente de carne, osso e muitos defeitos.

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