segunda-feira, abril 18

Ele é só um cara e você já esqueceu outros caras antes. É só um cara e não a sua vida. E não todos os dias da sua história. E não todas as suas lágrimas juntas em um único sábado solitário. Ele não é o destino. É um cara. Existem muitos destinos. E quer mesmo saber? É
um cara como todos os outros caras. Esse que te perguntou as horas no meio da rua – podia ter sido ele e você nem ligou. O mendigo, o ginecologista, o padre, o dealer. Ele estava ali o tempo todo. E ele não estava. Ele é só um deles. Vários. Uma legião. E ninguém. Ele é
só um cara que mal sabe escolher os próprios perfumes. Não sabe sangrar. Não sabe que nome daria a um filho. Não pode ficar mais tempo. Ele é só um cara perdido como muitos outros caras que você encontrou. E perdeu. ele é só um cara e você já esqueceu outros caras antes.

sexta-feira, abril 15

Um dia desses, ainda te levo pra ver as estrelas. Vou te levar pra um lugar onde esteja só você e eu, ninguém mais… Queria te levar pra perto do mar quando estiver escuro. Num lugar que dê pra sentir um vento frio entrando pela roupa, obrigando a gente a ficar bem perto. Gosto de pensar que esse dia vai chegar. Pode ser que ainda demore um pouco, ou talvez já seja amanhã. Se dependesse só de mim, tenha certeza que seria agora mesmo

Eu só quero certezas. Fins inacabados e essa visão meio turva, não quero mais. Quero coisas concretas, sólidas das quais eu consiga decorrer. Não encontro. Tudo que eu vejo é pó, nesse chão, que alguém esqueceu de varrer e esses restos jogados pelos cantos. Não consigo limpá-los, não consigo guardar ou jogar algumas coisas foras, mas também, não quero mais. Não quero mais essa bagunça dentro de mim. Eu só quero poder recorrer a um canto limpo e que eu consiga respirar com facilidade, mas qual? Aonde eu vou, essa bagunça vai atrás. Aonde eu piso, esse pó suja meu sapato. Eu preciso só respirar e ter forças pra continuar, mas como? Se respirar essa poeira toda, só me faz piorar?

terça-feira, abril 12

Apeanas uma maçã

Nascendo das minhas pupilas, círculos dourados se estendem até o infinito. A maçã ofega em cima da mesa. A primeira percepção é um grito de luz sobre o branco, a presença da maçã, contornos imprecisos contra a janela. Os círculos ampliados concentricamente contêm átomos de poeira em passeio pela manhã. É manhã? Não sei: é silêncio apenas. Fecho os olhos. Somente a memória fala: porque é certo que as pessoas estão sempre crescendo e se modificando, mas estando próximas uma vai adequando seu crescimento e a sua modificação ao crescimento e à modificação da outra; mas estando distantes, uma cresce e se modifica num sentido e outra noutro completamente diferente, distraídas que ficam da necessidade de continuarem as mesmas uma para a outra. O corpo ao lado, vestido, e o movimento que pressinto de recusa. Mas ela não fala. Apenas olha. As pupilas cheias de pequenos pontos dourados. Pontos de fogo, de ouro, de luz. pontos de: não.

- Não vou perguntar por que você voltou, acho que nem mesmo você sabe, e se eu perguntasse você se sentiria obrigado a responder, e respondendo daria uma explicação que nem mesmo você sabe qual é. Não há explicação, compreende? Eu também não queria perguntar, pensei que só no silêncio fosse possível construir uma compreensão, mas não é, sei que não é, você também sabe, pelo menos por enquanto, talvez não se tenha ainda atingido o ponto em que um silêncio basta? É preciso encher o vazio de palavras, ainda que seja tudo incompreensão? Só vou perguntar por que você se foi, se sabia que haveria uma distância, e que na distância a gente perde ou esquece tudo aquilo que construiu junto. E esquece sabendo que está esquecendo.

Pede um cigarro, um objeto nas mãos torna mais fácil uma conversa dessas, compreende? A fumaça sobe devagar, já não existem os círculos dourados, agora são apenas cinza -a fumaça. Em torno, nada mudou. Até a água esverdeada do aquário parece a mesma. Espero. O peso na cabeça se dissolve aos poucos em contato com o dia.

- Não quero complicar nada. Nunca quis. Também não queria falar. Mas eu não podia simplesmente receber você com a cara de ontem.

Sentada na poltrona ao lado da janela, uma cara de hoje, o cabelo preso na nuca, o casaco do pijama escondendo as pernas, os pés descalços aparecendo. Movimento o corpo sob o lençol, sinto o contato do pano em toda a pele. Estou nu e ela adivinha o meu pensamento. Sorri:

- Não houve nada. Você não precisa se preocupar pelo que não houve. Você estava bêbado demais para qualquer coisa.

O cigarro, a maçã nas mãos: o tempo colocou na testa uma ruga que antes não havia.

De repente sinto medo. Um medo antigo, o mesmo que sentia o menino escondido embaixo da escada, esperando castigos. Um medo e um frio que nascem de alguma zona escondida no cérebro, nas lembranças, nas coisas que o tempo escondeu ao avançar, como se recuando súbito pusesse a descoberto todos os cantos invisíveis, todas as teias de aranha recobrindo velhos muros, os mesmos que tantas vezes tentei escalar sem que houvesse nada depois, nenhum caminho, nenhuma casa. Nada.

EU - Mas detesto analista amador.

ELA - Campo ou bosque ou deserto, qualquer coisa assim, compreende? O importante é que seja ao ar livre. Colabora, imagina. É só um teste.

EU - Um deserto, então.

ELA - Sem nada?

EU - Nada.

ELA - Mas nem uma palmeira?

EU - Nenhuma.

ELA - Um rio, qualquer coisa?

EU - Nada. Só areia.

ELA - E árvores?

EU - Nada.

ELA - Bichos?

EU - Nada.

ELA - Vento?

EU - Nada.

ELA - Água?

EU - Nada.

ELA - E a chave?

EU - Não encontro chave.

ELA - E o muro?

EU - Muro tem.

ELA - E como é o muro?

EU - Antigo, feio, todo descascado, tijolos aparecendo, um pouco de limo, enorme.

ELA - Você sobe?

EU - Tento subir. Várias vezes. Mas caio, arranho os pulsos, sai sangue. Dói muito. Sempre tento subir, sempre caio outra vez. Mas sei que um dia eu consigo.

ELA - E depois?

EU - Depois o quê?

ELA - Depois do muro, o que tem?

EU - Nada.

ELA - Nada?

EU - Absolutamente nada.

ELA - E você, o que você faz, no nada?

EU - Não sei, me desintegro, acho.

ELA - E não dói?

Eu - Não. Não dói.

(silêncio)

ELA - Você já tentou o suicídio alguma vez?

EU - Três, por quê?

ELA - O muro que você tenta subir. O muro é a morte.

EU - Ah.

(silêncio)

ELA - Você agora me vai achar piegas, mas deixa eu perguntar .

EU - Pergunte.

ELA - Você não acredita em amor?

EU - Acho que não. Como é que você sabe?

ELA - Não existe água. A água é o amor.

EU - Ah. Que mais?

ELA - Nada.

EU - Nada?

ELA - É. Nada. Você não acredita em nada. Acha tudo estéril. Vazio. Seco. Um deserto. Nem problemas você tem.

EU - Problemas?

ELA - É. Os bichos.

EU - Ah.

ELA - Nem ideais. Com o perdão da palavra.

EU - Ideais?

ELA - É. As árvores.

EU - E daí?

ELA - Daí, nada.

(silêncio)

EU - Pronto: mergulhou no silêncio oceânico.

(silêncio)

ELA - Você não passa dum puto dum niilista. O diabo é que eu gosto de você paca…

Não mais. Ela apanha o cigarro, joga o toco pela janela aberta. Apanha a maçã.

- Eu ia pintar essa merda. Mas acho que não há mais nada a dizer sobre a droga duma maçã. Nada ao fazer, também A não ser comê-la. .

- É, comê-la. Mas esta está velha.

- Porque eu, meu filho, eu só tenho fome. E esse jeito instável de pegar uma maçã no escuro- sem que ela caia.

- Que saco, hein? Estava demorando.

- O quê?

- A citação. Quem é?

- Clarice Lispector.

Ela não sorri. Houve um tempo em que tive um rio por dentro, mas acabou secando.

EU - É possível um rio secar completamente?

ELA - Claro que é.

EU - Mas será que ele não enche depois? Nunca mais?

ELA - Alguns sim, outros não.

EU - Mas nunca mais?

ELA - Sei lá, acho que não.

EU - Você tem certeza?

ELA - Certeza eu não tenho. Só estou dizendo que acho. Afinal não sou nenhuma especialista em matéria de rios, secos ou não.

EU - Sabe?

ELA - O quê?

EU - Eu tinha esperança que o rio voltasse a encher um dia.

O dia avança lento. Quem pode deter o avanço do tempo? Alguma coisa vai ser dita ou feita, o tempo prepara meus ouvidos e meu corpo para as palavras ainda em gestação. Levanto as duas mãos, veias estendidas sob a tessitura clara da pele, dedos desertos como se segurasse uma palavra intangível. Anêmona. Varanda. Circunlóquio. Hipérbole. Cantata. Coleóptero. Fazendo um gesto, talvez. Ou falando. Como dói o deserto de dedos desassombrados. Entre eles, a revista, a ilustração: uma orquestra sinfônica. Merda para todas as orquestras sinfônicas. Nos banquinhos, as bundas assentadas, violinos, fagotes. Gozado fagote, não é? Parece um cavalo galopando em cima de nozes, oboés, contrabaixos. E contracimas, não tem, hein? Sopé. E girândolas. Gôndolas girando? Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais -por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia –qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido. Não digo. Atrás do aquário, os dois olhos confundidos com os peixes. Será que peixe gosta de maçã? Mas se tivesse ido até o fim, teria voltado? Voltar não será como ir até fim, não st:?fá prolongar o processo em vez de abreviá-lo? Nunca soube a cor exata de seus olhos. Quando os via muito de perto, minha única preocupação era observar o movimento dos pontinhos dourados no fundo das pupilas.

Mas em que cor estavam contidos esses pontinhos, boiando em castanho, em azul, em verde, em negro? O cigarro queima os dedos, fumado até o fim. O sol ilumina um remendo na cortina. A mancha encolhe lentamente.

EU - Você gosta de mar?

ELA - Gosto. Parece uma coisa que eu sinto às vezes por dentro e nem sei bem como é. Nem o que é. Acho que se um dia eu me matasse seria no mar. Queria ir entrando na água bem devagarinho, vestida de branco, descalça, cabelos soltos.

EU - Poesia fácil.

ELA - Vá à merda.

Atira a maçã para cima, recebe-a de novo, indecisa, num movimento que quase descobre os seios. As pernas compridas, um pouco brancas demais. Os olhos talvez meio estrábicos. Mas a cor? Que cor? O gesto antigo de afastar um fio de cabelo inexistente.

- Vá embora -ela diz.

Visto a roupa devagar. Começo a descer as escadas. Não olho para trás. De que adiantaria olhar? De que adianta não olhar?

Vou desviando das poças sujas da chuva de ontem. O asfalto esburacado. O céu cheio de fumaça. E de repente uma maçã espatifada contra o cimento. A carne madura demais espalhada em torno. Não há nada a dizer sobre ela, não passa de uma maçã morta.

Ele

Ele pode estar olhando tuas fotos neste exato momento. Por que não? Passou-se muito tempo, detalhes se perderam. E daí? Pode ser que ele faça as mesmas coisas que você faz escondida, sem deixar rastro nem pistas. Talvez, ele passa a mão na barba mal feita e sinta saudade do quanto você gostava disso. Ou percorra trajetos que eram teus, na tentativa de não deixar que você se disperse das lembranças. As boas. Por escolha ou fatalidade, pouco importa, ele pode pensar em você. Todos os dias. E, ainda assim, preferir o silêncio.Ele pode reler teus bilhetes, procurar o teu cheiro em outros cheiros. Ele pode ouvir as tuas músicas, procurar a tua voz em outras vozes. Quem nos faz falta, acerta o coração como um vento súbito que entra pela janela aberta. Não há escape. Talvez, ele perceba que você faz falta e diferença, de alguma forma, numa noite fria. Você não sabe. Ele pode ser o cara com quem passará aquele tão sonhado verão em Paris. Talvez, ele volte. Ou não.

Há um pássaro azul no meu coração que quer sair, mas eu sou demasiado duro para ele, e digo, fica aí dentro, não vou deixar ninguém ver-te.
Há um pássaro azul no meu coração que quer sair, mas eu despejo whisky para cima dele e inalo fumo de cigarros e as putas e os empregados de bar e os funcionários da mercearia nunca saberão que ele se encontra lá dentro.
Há um pássaro azul no meu coração que quer sair, mas eu sou demasiado duro para ele, e digo, fica escondido, queres arruinar-me? Queres foder-me o meu trabalho? Queres arruinar as minhas vendas de livros na Europa?
Há um pássaro azul no meu coração que quer sair, mas eu sou demasiado esperto, só o deixo sair à noite por vezes quando todos estão a dormir. Digo-lhe, eu sei que estás aí, por isso não estejas triste. Depois, coloco-o de volta, mas ele canta um pouco lá dentro, não o deixei morrer de todo e dormimos juntos assim com o nosso pacto secreto e é bom o suficiente para fazer um homem chorar, mas eu não choro, e tu?

quarta-feira, abril 6

“Rápida,breve,curta,direta: Quero você. Queria ontem, quero hoje e ao que tudo indica vou querer amanhã. Quero o colo, o cheiro o beijo. Quero o dengo da voz mimada, a calça jeans apertada e blusa bem folgada. Quero o cabelo bagunçado, e a pele bronzeada junto com a minha. Quero depois de uma chuva, ir na tua casa, e pegar uma camisa grande tua e ficar andando com ela pela casa. Quero deitar na rede, com um bom cobertor. Quero cafuné teu, até o varar da noite. Quero brigadeiro numa tarde de domingo com coca. Ou uma bolacha água e sal, com chá, se você preferir. Quero bilhetes pela casa no dia dos namorados. Quero barba na minha nuca, e depois na bochecha. Quero olhos nos olhos, e palavras bonitas. Consegue fazer isso meu amor? Eu sei que sim. Quero filhos. Consegue imaginar? Filhos correndo pela tua casa. Quero acordar e perceber que você estava acordado olhando pra mim. Quero o suor do corpo, e perfume no lençol. Quero beijo na chuva e olhar carente. Quero você, de janeiro a janeiro. Quero tanto. Quero muito. Quero mais você. Quero mais eu. Quero mais nós dois. Em qualquer lugar bonito. Em qualquer lugar bonito por aí. Não interessa. Só quero isso. Só desejo isso. Você e Eu. Passado eu. Presente você. E futuro nós dois. Doloroso não? - O que? - Só querer e querer. E não poder ter, ter. Fico eu e minha vontade absurda de você, aqui, só. Saiba que vou está muito aqui ainda meu amado. Muito. No frio ou no calor, na chuva,na seca, quando não tiver café e quando faltar de sobra. Vou ficar esperando você, lá pelas 00:49 em uma rodoviária mesmo. Ou eu te busco, não tem problema. Me passa número, rua, bairro, CPF, celular, RG..qualquer coisa que me faça encontrar você. Logo. Rápido menino. Depressa porque saudade mata. Me traz você, e me deixa ficar com você? Me deixa casar com você, ter filhos com você. Queria tanto. Queria muito. E eu repetia tanto isso: Eu quero você, eu quero você, eu quero você. Como se fosse fácil. Como se de vez em quando não doesse ter você.”


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terça-feira, abril 5

"Não tenho medo. Não tenho medo de nada. Quanto mais eu sofro, mais eu amo. O perigo apenas aumenta meu amor. Estou preso a ele. Vou apenas fazê-lo crescer.
Serei tudo o que você precisa. Viverá uma vida ainda mais linda do que a que tinha. Os Céus a trará de volta e dirá: Apenas uma coisa pode tornar uma alma completa, e esta coisa é amor."

Caio F. Abreu

O rosto dele próximo do meu. A sua mão toca no meu ombro, sobe pelo pescoço, me alcança a face, brinca com a orelha, alcança os cabelos. O seu corpo cola-se ao meu. A sua boca vem baixando devagar, vencendo barreiras, colando-se à minha, de leve, tão de leve que receio um movimento, um suspiro, um gesto, mesmo um pensamento. Estou em branco como a noite. Ele me abraça. Ele está perto.
Ergue o braço lentamente, afunda as mãos nos cabelos de outro. E de súbito um vento mais frio os faz encolherem-se juntos, unidos no mesmo abraço, na mesma espera desfeita, no mesmo medo. Na mesma margem.
in Inventário do Ir-remediável.