quarta-feira, março 28





"...Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero..."

Medrosa


Você tem medo de se apaixonar. Medo de sofrer o que não está acostumada. Medo de se conhecer e esquecer outra vez. Medo de sacrificar a amizade. Medo de perder a vontade de trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar encontros. Medo se o telefone toca, se o telefone não toca. Medo da curiosidade, de ouvir o nome dele em qualquer conversa. Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo. Medo de se sentir observada em excesso, de descobrir que a nudez ainda é pouca perto de um olhar insistente. Não suportar ser olhada com esmero e devoção. Nem os anjos, nem Deus aguentam uma reza por mais de duas horas. Medo de ser engolida como se fosse líquido, de ser beijada como se fosse líquen, de ser tragada como se fosse leve. Você tem medo de se apaixonar por si mesma logo agora que tinha desistido de sua vida. Medo de enfrentar a infância, o seio que criou para aquecer as mãos quando criança, medo de ser a última a vir para a mesa, a última a voltar da rua, a última a chorar. Você tem medo de se apaixonar e não prever o que pode sumir, o que pode desaparecer. Medo de se roubar para dar a ele, de ser roubada e pedir de volta. Medo de que ele seja um canalha, medo de que seja um poeta, medo de que seja amoroso, medo de que seja um pilantra, incerta do que realmente quer, talvez todos em um único homem, todos um pouco por dia. Medo do imprevisível que foi planejado. Medo de que ele morda os lábios e prove o seu sangue. Você tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo. O corpo mais lado da fraqueza. Medo de que ele seja o homem certo na hora errada, a hora certa para o homem errado. Medo de se ultrapassar e se esperar por anos, até que você antes disso e você depois disso possam se coincidir novamente. Medo de largar o tédio, afinal você e o tédio enfim se entendiam. Medo de que ele inspire a violência da posse, a violência do egoísmo, que não queira repartir ele com mais ninguém, nem com seu passado. Medo de que não queira se repartir com mais ninguém, além dele. Medo de que ele seja melhor do que suas respostas, pior do que as suas dúvidas. Medo de que ele não seja vulgar para escorraçar mas deliciosamente rude para chamar, que ele se vire para não dormir, que ele se acorde ao escutar sua voz. Medo de ser sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa, recolhida como se fosse paz. Medo de ser destruída, aniquilada, devastada e não reclamar da beleza das ruínas. Medo de ser antecipada e ficar sem ter o que dizer. Medo de não ser interessante o suficiente para prender sua atenção. Medo da independência dele, de sua algazarra, de sua facilidade em fazer amigas. Medo de que ele não precise de você. Medo de ser uma brincadeira dele quando fala sério ou que banque o sério quando faz uma brincadeira. Medo do cheiro dos travesseiros. Medo do cheiro das roupas. Medo do cheiro nos cabelos. Medo de não respirar sem recuar. Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do medo. Medo de não ser convincente na cama, persuasiva no silêncio, carente no fôlego. Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja ansiedade. Medo de não soltar as pernas das pernas dele. Medo de soltar as pernas das pernas dele. Medo de convidá-lo a entrar, medo de deixá-lo ir. Medo da vergonha que vem junto da sinceridade. Medo da perfeição que não interessa. Medo de machucar, ferir, agredir para não ser machucada, ferida, agredida. Medo de estragar a felicidade por não merecê-la. Medo de não mastigar a felicidade por respeito. Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la. Medo do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar. Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que terminou. Medo de faltar as aulas e mentir como foram. Medo do aniversário sem ele por perto, dos bares e das baladas sem ele por perto, do convívio sem alguém para se mostrar. Medo de enlouquecer sozinha. Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha. Você tem medo de já estar apaixonada.




"hj eu to evitando sentir todos esses medos de novo,
to evitando pessoas."

terça-feira, março 20

Há muito tempo eu não perdia uma noite por causa de alguém.

Talvez tenha sido a pior noite da minha vida depois que te conheci. Engraçado, porque todas as noites eu vou dormir com você na cabeça, mas dessa vez foi diferente. Foi diferente porque ontem eu não senti saudade como o de costume, era só tristeza mesmo. O que eu sentia era uma imensa vontade de por um ponto final nessa nossa história sem começo. Mas, ao mesmo tempo eu queria acreditar que você era diferente, porque eu sempre tive esperança em você, sempre achei que você iria me fazer ver o mundo com outros olhos. Fiquei durante muito tempo pensando numa maneira certa de agir, foi aí que decidi esquecer essa porra de quase-amor que eu sinto por você. E era isso que mais doía, o quase-amor, porque no fundo eu queria que fosse amor. Mesmo assim, insisti em colocar um ponto final. Jurei pra mim mesma que ontem à noite seria última vez que eu iria olhar suas fotos e ouvir a nossa música, apaguei suas mensagens, excluí suas fotos, joguei fora tudo que me lembrava você. Bateu o desespero e chorei igual uma pré-adolescente quando leva seu primeiro fora. Chorei até dormir e acordei lembrando que havia sonhado com você. Agora nem dormir em paz eu posso mais, ver você se tornou uma questão de fechar os olhos. Não chorei mais, em compensação quebrei meu juramento assim que saí da cama, fui correndo ver suas fotos e jurei de novo que seria a última vez. Fiquei triste o dia inteiro, aí você me procura, inevitável, acabei sorrindo ao ver você falando comigo. Droga, você também não me ajuda. Queria tanto ficar bem sem você, sem falar, sem contato, mas ao mesmo tempo quase morro quando você não me conta como foi seu dia. Já basta essa distância insuportável e ficar um dia sem ter noticias suas acaba comigo. Mas, decidi que preciso te esquecer. Só que eu acabo lembrando, de como você é lindo quando ta comigo, do seu sorriso, dos seus olhos fixados nos meus, das suas mãos nervosas no meu corpo, de como é bom dormir com você e sentir sua boca na minha enquanto a gente “tenta” dormir. Talvez essa é a parte que mais me dói, ter que esquecer tudo isso. Ou talvez, o que mais me dói é ter fantasiado a nossa relação porque você me deu espaço pra isso. Durante muito tempo eu esperei por você, mas infelizmente, eu não moro em um castelo e muito menos sou uma princesa, pra ficar procurando em você um príncipe pro meu conto de fadas. A não ser que você construa um castelo e me peça pra ficar e nunca mais desistir de você.

— Tati Bernardi

segunda-feira, março 12

“Sorriso, diz-me aqui o dicionário,


é o acto de sorrir. E sorrir é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos. O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem. Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso. O SORRISO (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso.”

— José Saramago

quinta-feira, março 8

Clarissa Corrêa

As pessoas têm defeitos, manias, neuroses, frustrações, medos, confusões. Cada um tem suas particularidades. Mas isso a gente só descobre com o tempo e a convivência. Num primeiro momento, você sai com ele e se policia. Veja se você se encontra em uma cena dessas: vocês estão se conhecendo, marcam de sair. Começa aquela longa jornada: banho, perfume, checar se a sobrancelha está em dia, passar perfume, creme, usar calcinha bonita (mesmo que não vá tirar), depilar a perna (mesmo que ele não veja), depilar axila (mesmo que ele nem encoste), depilar a virilha (mesmo que ele passe longe), secar o cabelo, passar corretivo pra disfarçar aquela olheira que teima em dar as caras na sua cara, passar um pó para uniformizar a pele e disfarçar defeitinhos, um pouquinho de blush pra ele pensar que você vende saúde, rímel pra levantar o olhar e, então, começa a busca pela roupa perfeita. Tudo fica estranho, você tira as roupas do armário, pensa que não tem roupa, invoca a Nossa Senhora Dos Looks Decentes e finalmente encontra algo que ficou mais ou menos bem em você. Depois, checa o bafo. Mesmo após escovar os dentes, coloca uma bala na boca e tenta relaxar. Ele te pega em casa, vocês vão a um restaurante, ele pergunta o-que-você-quer-comer e você pensa meu-deus-não-posso-comer-muito-senão-ele-vai-me-achar-uma-comedora-compulsiva. Então, diz pra ele escolher e sorri tentando mandar pra casa a tensão instalada na sua nuca. O prato chega e você agradece por ele não ter pedido macarrão ao sugo, afinal, isso podia sujar sua blusa. Você mastiga bem devagarinho, toda meiga, toda mulherzinha, toda tô-saindo-com-ele-faz-pouco-então-não-posso-ser-ogra. Você, inevitavelmente, já deve ter passado por isso. No começo, a gente quer mostrar o melhor. A gente não se permite relaxar, tampouco respirar com naturalidade. O tempo passa. Vocês engatam um relacionamento. Aos poucos, ele vê que você enfia o dedo no dente de trás pra tirar aquela alface que colou lá e não quer mais sair. Devagar, ele te vê sem maquiagem, com cabelo de louca, com baba seca no canto da boca, com a unha descascada, sem máscara e sem glamour. O dia a dia faz com que a gente veja os avessos do outro. E os avessos estão cheios de nojeira. O amor é belo, sim, mas é cheio de pequenas nojeiras. E a gente precisa administrar isso. Um relacionamento deve ser construído com verdade. A verdade, nua e sem retoques, nem sempre é bonita. Tem o lado ruim, tem a briga, tem a discussão, tem aqueles dias em que parece que vocês estão completamente fora de sintonia. Tem vezes, inclusive, que a gente se pergunta o-que-tô-fazendo-com-essa-anta? Tem tudo isso. Tem a raiva, tem a irritação, tem tudo. A verdade é que existe um lado feio do amor. Acho que a traição, tanto masculina quanto feminina, ocorre quando a gente não engole o lado feio. É lógico que existem muitas pessoas bonitas no mundo. Você pode achar seu instrutor da academia um gato. Ele pode achar a secretária mega gostosa. Mas uma coisa é achar, outra é cobiçar, flertar, fazer graça. Tem gente bonita no mundo, sim. Mas o importante é você achar que o outro é mais bonito pra você. Mesmo que tenha dias feios. Relações são complicadas. Tem dias que dá vontade de gritar bem alto “meeeeeeeeeeeeeeeeerda”. Mas sempre achei que o que mais importa é o sentimento, mesmo que existam outras coisas. Essas coisas a gente ajeita, conversa, organiza, negocia. Basta querer e aceitar que príncipes e princesas existem fora da porta da sua casa. Do lado de dentro tem gente de carne, osso e muitos defeitos.