quinta-feira, março 24
Hoje não era uma exceção de mudança da beleza padrão das manhãs da cidade. Céu azul esbranquiçado pelas nuvens que já começavam a se dispersar, pessoas presas à rotina passavam de diversas maneiras pelas ruas mesmo diante da visível apatia de começo de um dia. De fato, tudo parecia estavelmente normal - até eu estava te esperando do mesmo jeito torto que me equilibro na porta da sua casa, esperando finalmente suas palavras, sua presença, seu olhar. Porém, quando chegou, havia algo errado com você, não era algo muito difícil de notar. Seu sorriso pareceu errado e distante daquele momento, seus braços rentes a si mesma pareceram uma fortaleza construída às pressas a qual eu não conseguia decifrar ou entender o motivo. Perguntei se você estava bem, e, embora sempre essa pergunta esteja envolvida pela nostalgia rotineira, eu queria mesmo uma resposta sua, uma resposta correta e que me ajudasse a solucionar o que lhe afligia. Você disse com a boca entreaberta apenas um bem, que pareceu apenas mais um tijolo para me manter afastado ainda mais de você. Te envolvi com meus braços mas isso não foi necessariamente um abraço. Sempre fiz isso e posso dizer que era algo prazeroso a se fazer porque eu me sentia feliz, mas exatamente nesse momento, meus braços cansaram de ficar levantados para abraçar o vazio. A gravidade venceu aquele sentimento que eu achava a coisa mais resistente que existia. Sinceramente, aquele momento pareceu mais complexo que uma série de emoções e fatos que aconteciam naquele instante. Ficamos em silêncio enquanto andávamos – mais lentos que o normal – pelas ruas já não silenciosas da cidade. Olhei para seu rosto mais uma vez e não sei por que não me surpreendi quando vi uma gota escorregando por seus olhos. Lenta, escondida e pequena. Você a tirou rápido do rosto. Bem, parece que seu castelo havia sido construído com tijolos soltos. Perguntei o que estava sentindo, implorei de um modo mais convincente para que me dissesse a verdade. Você desviou os olhos, balançou a cabeça e soltou um sorriso, novamente errado, e disse que era uma noite mal dormida. O que eu já via como seu problema invisível já começava a me incomodar. Ainda era manhã, o momento parecia tão errado quanto comemorar uma vitória em um velório, mas eu senti necessidade de dizer como eu me sentia em relação a você. Felicidade, amor, completo, leveza… tudo pareceu tão inútil quanto velhas roupas. Sim, pareciam ter algum significado para mim, mas agora parecia algo mentiroso, algo deserto. Preferi nada mais dizer. Com minhas mãos dentro do bolso, andei ao seu lado em ritmo dessincronizado. Algumas vezes muito na frente, às vezes por trás para te analisar. Enfim chegamos na esquina que nos separaríamos temporariamente. De alguma forma, uma pequena parte de mim entendeu aquilo como algo eterno. Desculpe se chorei mesmo querendo conter cada lágrima que saia. Não as enxuguei como você, e minhas mãos estavam muito apertadas no bolso para conseguirem sair para me despedir. Você finalmente sorriu do modo que sempre me lembro de você, desde a primeira vez. Me abraçou pela cintura e nada disse naquela hora. Embora eu não tivesse tirado meus braços, aquilo pareceu, sim, um abraço, e não aquele aperto chocho que eu havia dado em você mais cedo. Sussurrou no meu ouvido que me amava e que sairia no horário de costume do trabalho. Balancei a cabeça, calado o bastante ao tentar lidar com a vergonha que me domava no momento. A vi atravessar a rua e ficar cada vez menor enquanto se distanciava. Se estou errado ou não, o problema invisível que eu havia visto pareceu ser desmascarado como um vazio apenas: o mesmo vazio que eu tinha avistado. Parece que eu fiquei tanto tempo tentando achar você como se você fosse apenas uma pessoa feliz, sem percalços e problemas, ao invés de ver que você também era aquela pessoa preocupada. Algo pareceu fazer mais sentido agora. Me sinto como se estivesse acabando de te conhecer. Limpei o rosto antes de voltar a caminhar para meu rumo. Irresistível não contar os minutos mesmo que apenas inconscientemente esperando nosso encontro. Sim, a rua continuava calma. A agitação que começava apenas fazia parte do dia. O costume não falha.
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